A "nova"

Curitiba

Nestor Vitor e a cidade do início do século XX

A equipe

Aline Dias, João Sérgio A. Ferreira Filho, Maria Eduarda Kmick, Silvia Demarchi e Viviane Lima; estudantes matriculadas e matriculado na disciplina Tópicos especiais de História e cidade (do segundo semestre letivo de 2022), ministrada pelo Professor Antônio Cesar de Almeida Santos, responsável pela supervisão da atividade da qual decorre este trabalho e vinculado ao Departamento de História da Universidade Federal do Paraná.

O projeto

Procurou-se abordar a cidade de Curitiba a partir de descrições elaboradas por Nestor Vitor em A terra do futuro. Partiu-se da consideração de que “a cidade que tão bem conhecíamos mudou” e que ela “não está na realidade objetiva, mas no pensamento que a pensa” (BRESCIANI, 2004, p. 9).


No caso em questão, trata-se de um pensamento que confronta lembranças de uma cidade de outrora à imagem com a qual o observador se defronta.

O artigo

A partir das discussões, realizadas em sala de aula, foi elaborado um artigo pelos integrantes da disciplina, titulado “A ‘Nova Curitiba’ de Nestor Vitor”, publicado no Periódico Científico de História da UFPR “Cadernos de Clio” de ISS nº 2447-4886; no volume nº 13, N. 1.


Link para acesso:


https://revistas.ufpr.br/clio/article/view/90634


Quem foi Nestor Vitor

Nestor Vitor dos Santos nasceu em Paranaguá, em 1868, onde cursou as primeiras letras. Mudou-se para Curitiba em 1888 sendo eleito secretário da Confederação Abolicionista do Paraná.

Em 1891, muda permanentemente para a cidade do Rio de Janeiro, mas mantém laços com seus conterrâneos e contribui para revistas e jornais do Paraná. No ano seguinte, casou-se com Catarina Alzira Coruja, com quem teve oito filhos.

Em 1901, viajou para Paris, retornando ao Brasil, em 1905, quando leciona na Escola Normal e no Colégio Dom Pedro II. Foi deputado estadual no Paraná, entre 1917 e 1920. Em 1928, foi eleito membro da Academia Paranaense de Letras. Em 1929, recebeu o título de Doutor em Ciências Jurídicas e Comerciais pela Escola Superior de Comércio do Rio de Janeiro.

Faleceu no Rio de Janeiro na tarde de 13 de outubro de 1932, aos 64 anos (CARVALHO, 1997, p. 06-21).

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A Obra

Nestor Vitor, em 1913, publicou A terra do futuro (impressões do Paraná), obra na qual abordou diversos aspectos da cidade de Curitiba.


Descrever uma cidade não era novidade para o literato e crítico parnanguara, pois, em 1911, havia publicado o livro Paris: impressões de um brasileiro, resultado de sua estadia na capital francesa.



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Curitiba 1894

Esta planta se aproxima daquilo que Nestor Vitor vai identificar como a "Velha Curitiba".

Nela, é possível identificar as seguintes referências: Rua Cabral, Passeio Público, Largo 19 de Dezembro, Largo Euphrasio Correa, Largo 15 de Novembro, Largo Thereza Christina (atual Praça Santos Andrade), Largo da República e Largo General Ozorio.

Curitiba 1914

Na obra A Terra do Futuro, Nestor Vitor descreve a Curitiba de 1912 a "Nova Curitiba" que pode ser ilustrada, dada a proximidade temporal, com a planta ao lado, na qual é possível identificar diversas referências indicadas na anterior.

O"cheiro antigo de Curitiba"

No início do século XX, a presença do intenso desejo de modernização e europeização, fazem Nestor Vitor comparar a “velha Curitiba” com a “nova Curitiba”, e é arrebatado por certo saudosismo: “sinto falta e tenho saudade do cheiro antigo de Curitiba, aquele cheiro a gramináceas secas [...] que davam a toda a cidade um ar ainda muito flagrantemente campesino” (SANTOS, 1996, p. 88).

"Carroceiros em frente ao Mercado, na Praça Municipal, atual Generoso Marques. 1905".

O "moroso desenvolvimento"

Curitiba, embora até 1873 tivesse um “desenvolvimento moroso”, após 1885, com a inauguração da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba e com a corrente imigratória de colonos europeus, a cidade ganhou novas feições; deu-se então “a realização do projeto que já se entrevia há vinte anos”, conforme Emiliano Perneta (SANTOS, 1996, p. 90-91).

"Início da construção da Universidade do Paraná, na Praça Santos Andrade. Ao fundo, local onde funcionou o Tiro Rio Branco e onde, atualmente, se encontra o Teatro Guaíra. 1913".

Vida social

O aumento da burguesia do mate fez surgir uma necessidade por melhores condições na qualidade de vida da cidade, nos serviços de modo geral e na construção de espaços de convivência. "Era o início da sociedade flâneur que necessitava de praças, largos e boulevares para realizar seu footing”. Assim, obras destinadas ao convívio social começam a ser realizadas e observa-se a presença crescente de árvores, jardins e praças (BAHLS, 1998, p. 92-93).

"Inauguração do bonde elétrico da linha Portão, em agosto de 1912. Foto: Arthur Wischral".

Presença Feminina

Junto a um novo estilo de vida social na "Nova Curitiba", a presença feminina nos espaços públicos passa a ser mais frequente. As mulheres passam a ocupar postos de trabalho fora de casa, além de obterem maior liberdade com relação aos costumes de outrora, especialmente em questões relacionadas às vestimentas e relacionamentos.

"Por trás de figuras que remetem à inocência como, por exemplo, a do menino, assuntos polêmicos eram discutidos nas charges, dentre eles a maternidade fora do casamento. Note-se que o traje da mulher apresenta indícios da “liberdade feminina”, com roupas justas e decotadas. A Bomba. Curitiba, 10 de dezembro de 1913".

Os imigrantes

Quando retornou no início do século XX, Nestor Vítor observou detalhes da “nova Curitiba”, totalmente diferentes daquela em que viveu em meados da década de 1880. Os prédios já não possuíam mais traços de uma arquitetura germânica, de um aspecto “pesado”, mas agora eram mais elegantes e leves, graças aos construtores italianos, em boa parte “arquitetos propriamente ditos” (SANTOS, 1996, p. 82).

"Embora seja uma obra de brasileiros e técnicos de diversas nacionalidades, a influência da arquitetura italiana dos Oitocentos se faz visível no prédio da Estação".

Indústria

Os avanços não se restringiam aos aspectos econômicos, demográficos e de infraestrutura, os reflexos também se deram no meio social. Segundo Nestor Vitor, “o mate é a nossa folha de ouro, como é grão de ouro para os paulistas o café”. A exportação do mate, desde 1890, teve um movimento de crescimento contínuo, “sem oscilações deprimentes”. Além da importância da indústria ervateira, outros produtos faziam parte das exportações do Paraná, principalmente a madeira e os fósforos (SANTOS, 1996, p. 100).

Fábrica Leão Junior inaugurada em 1926, no bairro Portão.

Lazer

Todas as reestruturações faziam da Curitiba do início do século XX uma cidade que “introduzia novos hábitos de convivência entre seus habitantes”, pois “a relação das pessoas com os espaços públicos tomou aspectos mais íntimos e saudáveis”, revelando o aumento da vida social atrelado à prosperidade econômica privada na Curitiba de Nestor Vitor (TRINDADE et. al, 1997, p. 35).

"Rua 15 na década de 1910. Cinemas, confeitarias, restaurantes, grandes empresas e comércio elegante se localizavam na artéria mais importante da cidade".

Educação básica

Em 1912, o Estado do Paraná tinha os melhores índices nacionais na educação. Em Curitiba, a situação era ainda melhor, pois “se estão educando 50% das que se acham na idade conveniente para isso. Não se pode dizer outro tanto nem da capital federal, a julgar pelos dados oficiais” (SANTOS, 1996, p. 131), ficava claro então o potencial evolutivo da cidade que, mesmo concorrendo com outras maiores como São Paulo e Rio de Janeiro, ainda as sobrepujava no quesito da educação.

"Colégio Progresso, na esquina das atuais ruas Ignácio Lustosa e Cândido de Abreu. Hoje, o espaço é ocupado pela Praça 19 de Dezembro. 1911".

Ensino profissional

A educação estava relacionada com os interesses públicos: "achei a Escola de Aprendizes Artífices organizada muito praticamente, como convém. [...] que se multipliquem no Estado escolas profissionais semelhantes, cuja utilidade não precisa demonstração. Não me foi dado visitar a Escola de Belas Artes. Tive apenas a feliz oportunidade de conhecer em Curitiba um de seus professores, o Sr. Alfredo Andersen" (SANTOS, 1996, p. 134).

"Ensino profissional em Curitiba. Foto provavelmente tirada na Escola de Aprendizes Artífices. 1910".

Universidade do Paraná

Já no Rio de Janeiro, Nestor Vitor soube da universidade recém criada, com os cursos de direito, agrimensura, odontologia e agronomia, exatamente aqueles voltados para suporte ao desenvolvimento industrial e ao setor público: “o ensino oferecerá na próspera metrópole [...] uma complexidade correspondente à que já vai atingindo sua organização de outros pontos de vista” (SANTOS, 1996, p. 136).

"Rua 15 de Novembro em que sobressai a Universidade do Paraná. Mais ao fundo, o prédio da Associação Comercial. Década de 1910".

Início da arborização

A Curitiba do "século XIX [...] era caracterizada pela esterilidade", na qual imperava a máxima "lugar de árvore era no campo” (BAHLS, 1998, p. 93). Em contrapartida, no início do século XX, há um constante aumento na arborização, com a construção de diversas praças na capital paranaense: “cuida-se agora ativamente da arborização da cidade” (SANTOS, 1996, p. 124), em razão da emergente necessidade de maior salubridade do ambiente.

"Vista da Praça Osório, após as reformas realizadas pelo prefeito Luís Xavier. Destaque para a arborização que atravessa toda a praça em direção à Rua 15 de Novembro. 1905. Coleção: Júlia Wanderley".

Melhoramentos para quem?

A “nova Curitiba” de Nestor Vitor, afinal, ainda carecia de melhoramentos. Ele mesmo reconhecia que a cidade enfrentava problemas, mas também enxergava nela sinais inequívocos de um almejado progresso. Curitiba é vista e sentida de diferentes formas por seus habitantes. Plural, complexo, múltiplo e diverso, o espaço urbano é palco de diversos conflitos, sendo eles o resultado “da tensão entre uma concepção ideal de cidade e a própria dinâmica de ocupação e transformação do espaço” (SANTOS, 1998, p. 90).

"Bonde elétrico na atual Avenida República Argentina. Foto de 1913".

Referências

  • BAHLS, Aparecida Vaz da Silva. O verde na metrópole: a evolução nas praças e jardins em Curitiba (1885-1916). Dissertação (Mestrado em História) – Curso de Pós-Graduação em História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 1998.
  • Boletim Casa Romário Martins. Um olhar para o futuro: coleção Julia Wanderley. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v. 29, n. 129, nov. 2005.
  • Boletim Casa Romário Martins. Centro histórico: espaços do passado e do presente. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v . 30, n. 130, mar. 2006.
  • Boletim Casa Romário Martins. Praças de Curitiba: espaços verdes na paisagem urbana. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v. 30, n. 131, set. 2006.
  • Boletim Casa Romário Martins. Factos da actualidade: charges e caricaturas em Curitiba, 1900-1950 / Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v. 33, n. 142, maio 2009.
  • BRESCIANI, Maria Stella. A cidade, objeto de estudo e experiência vivenciada. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 9-26, 2004.
  • CARVALHO, Alessandra Izabel de. Nestor Vitor: um intelectual e as ideias do seu tempo (1890-1930). 1997. Dissertação (Mestrado em História). Curso de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Paraná, 1997.
  • SANTOS, Antonio Cesar de Almeida. Ideário do progresso e cidades: uma Curitiba das primeiras décadas do século XX. Estudos Ibero-americanos, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 75-95, 1998.
  • SANTOS, Nestor Vitor dos. A terra do futuro (impressões do Paraná). 2ª edição. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba, 1996.
  • TRINDADE, Etelvina M. de C.; OLIVEIRA, Dennison.; SANTOS, Antonio C. de A. Cidade, homem e natureza: uma história das políticas ambientais de Curitiba. Curitiba: Unilivre, 1997.


Créditos das imagens

  • Slide n. 01 - Região da atual Praça Garibaldi em direção ao Largo da Ordem, em foto do início do século XX. Boletim Casa Romário Martins, n. 130, p. 87
  • Slide n. 04 - Retrato de Nestor Vitor dos Santos por Alfredo Andersen, 1912. in: CARNEIRO Junior, Renato Augusto (Coord.). Personagens da história do Paraná: acervo do Museu paranaense. Curitiba: SAMP, Museu Paranaense, 2014, p. 135
  • Slide n. 06 - Mapa de Curitiba, 1894. Boletim Casa Romário Martins, n. 130, p. 5
  • Slide n. 07 - Mapa de Curitiba, 1914. Boletim Casa Romário Martins, n. 130, p. 6
  • Slide n. 08 - Boletim Casa Romário Martins, n. 129, p. 88
  • Slide n. 09 - Boletim Casa Romário Martins, n. 129, p. 65
  • Slide n. 10 - Boletim Casa Romário Martins, n. 129, p. 42
  • Slide n. 11 - Boletim Casa Romário Martins, n. 142, p. 113
  • Slide n. 12 - Boletim Casa Romário Martins, n. 130, p. 69
  • Slide n. 13 - Imagem da Fábrica Leão Junior, disponível em: https://www.turistoria.com.br/a-fabrica-da-matte-leao
  • Slide n. 14 - Boletim Casa Romário Martins, n. 130, p. 66
  • Slide n. 15 - Boletim Casa Romário Martins, n. 129, p. 52
  • Slide n. 16 - Boletim Casa Romário Martins, n. 129, p. 115
  • Slide n. 17 - Boletim Casa Romário Martins, n. 130, p. 105
  • Slide n. 18 - Boletim Casa Romário Martins, n. 131, p. 29
  • Slide n. 19 - Boletim Casa Romário Martins, n. 129, p. 22
  • Slide n. 21 - Imagem da Casa Romário Martins, disponível em: https://www.guiadasartes.com.br/parana/curitiba/casa-romario-martins